A língua é um órgão especializado localizado na cavidade oral, participando ativamente das funções de sucção, deglutição, mastigação e fala1. A literatura refere que os movimentos de sucção favorecem o adequado selamento labial durante o estado de repouso e a correção do retrognatismo mandibular fisiológico2, contribuindo, ainda, para o correto posicionamento da língua na região palatina, resultado da intensa atividade dos músculos da língua3. Também é relatado em um estudo que a forma do arco dentário é determinada não só pelos dentes, como também, pela oposição das forças da língua e dos tecidos periorais, sendo que as forças teciduais de repouso são as principais determinantes da morfologia do arco4. Em contrapartida, a literatura também refere que, no recém-nascido, a língua, quando em repouso, posiciona-se entre os rodetes gengivais, preenchendo o espaço que futuramente será ocupado pelos dentes5-6. Ao consultar as bases de dados Web of Science, Pubmed, Embase, All Evidence-Based Medicine Reviews e Scielo, utilizando os seguintes termos em português: língua, hábitos linguais e postura de língua; e respectivos em inglês, não foram encontrados estudos que evidenciassem o que é relatado em livros quanto ao posicionamento da língua em repouso, seja em bebês com ou sem alteração do frênulo lingual.
OBJETIVO
O objetivo desse estudo foi verificar a posição da língua no repouso em bebês, com e sem alteração do frênulo lingual, no primeiro mês de vida.
MÉTODOS
Este foi um estudo transversal realizado com 324 bebês com 30 dias de vida, sendo 146 do gênero feminino e 178 do gênero masculino, que foram submetidos à aplicação do Protocolo de Avaliação do Frênulo Lingual com Escores para Bebês7, em uma cidade onde há uma lei municipal garantindo a obrigatoriedade da aplicação do referido protocolo, popularmente conhecido como “Teste da Linguinha”8. Foram incluídos nesse estudo bebês saudáveis, nascidos a termo, que estavam sendo amamentados e que, ao chegarem ao serviço, estivessem dormindo, possibilitando a avaliação da posição da língua em repouso. Os critérios de exclusão considerados foram alimentação artificial, prematuridade, complicações perinatais, presença de anomalias craniofaciais, doenças neurológicas e síndromes genéticas visíveis no momento da avaliação. Os bebês foram avaliados durante o sono, enquanto estavam no colo das mães. A avaliadora, estando de frente para os bebês, abriu a boca de cada um deles, apoiando os dedos polegares enluvados na região do mento, realizando o abaixamento da mandíbula; concomitantemente, com os dedos indicadores, elevou o lábio superior, permitindo a visualização da posição da língua em repouso, que poderia estar elevada, ou seja, o terço anterior da língua em contato com as rugas palatinas, ou baixa (entre os rodetes gengivais). Após a visualização da posição da língua no repouso, os bebês foram avaliados utilizando o protocolo de avaliação do frênulo lingual com escores para bebês para verificar a presença ou não de alteração do frênulo lingual. Esse protocolo é composto por história clínica, avaliação anatomofuncional e avaliação da sucção nutritiva e não nutritiva. Foram realizadas filmagens de todos os procedimentos, as quais foram analisadas, em separado, por duas fonoaudiólogas especialistas em Motricidade Orofacial, devidamente treinadas e calibradas para a aplicação do Protocolo de Avaliação do Frênulo Lingual. Foram considerados os resultados obtidos por consenso entre as duas avaliadoras. Os dados obtidos foram tabulados e submetidos à análise estatística, sendo aplicado o teste qui quadrado, adotando o nível de significância de 5% (p<0,05). Essa metodologia de avaliação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos sob nº 113/2011, sendo que todas as mães foram informadas sobre os procedimentos e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Dos 324 bebês avaliados, 73,2% apresentaram língua elevada no repouso e 26,8% entre os rodetes gengivais. Ainda, dos 324 bebês avaliados, 234 (72,22%) apresentaram frênulo lingual normal e 90 (27,78%) frênulo alterado. Dos 234 bebês com frênulo normal, 208 (88,89%) apresentaram língua elevada em repouso e 26 (11,11%) apresentaram língua baixa. Dos 90 bebês com alteração do frênulo lingual 29 (32,22%) apresentaram língua elevada em repouso e 61 (67,78%) língua baixa, entre os rodetes gengivais. A análise estatística demonstrou associação entre a posição da língua e a característica do frênulo lingual (p<0,001), evidenciando que os bebês com alteração do frênulo apresentaram posição da língua baixa, entre os rodetes gengivais, no repouso; já os bebês sem alteração do frênulo permaneciam com a língua elevada no repouso.
DISCUSSÃO
Nesse estudo, a partir da abertura da boca de bebês com 30 dias de vida, realizada enquanto dormiam, foi possível ver que a maioria deles mantinha a língua elevada em contato com o palato duro, na região das rugas palatinas. Nas bases de dados consultadas, não foram localizados estudos que relatassem o posicionamento da língua em repouso nos bebês, mas, contraditoriamente aos resultados dessa pesquisa, foram encontrados dois livros na área de Odontopediatria5-6 relatando que, nos recém-nascidos, a posição da língua no repouso ocorre entre os rodetes gengivais, preenchendo o espaço que futuramente será ocupado pelos dentes. De fato, em nosso estudo também foram observados bebês com a língua posicionada entre os rodetes gengivais, embora sendo esses, a minoria dos bebês examinados. Dos bebês com alteração do frênulo lingual, 67,78% permaneceram com a língua posicionada entre os rodetes gengivais, não tendo sido encontrado na literatura estudos semelhantes para a comparação desses resultados. Uma possível explicação para esse achado pode ser o impedimento mecânico ocasionado pela fixação do frênulo na língua, dificultando principalmente o movimento de elevação realizado por ela. Não seria possível generalizar e afirmar que todo bebê com a língua posicionada entre os rodetes gengivais apresenta o frênulo com alguma alteração, mas é fundamental que ao encontrarmos um bebê com a língua nessa posição, o frênulo lingual seja examinado. Portanto, os achados dessa pesquisa evidenciaram que os bebês sem alteração do frênulo lingual, na sua grande maioria, tendem a ficar com a língua elevada na cavidade oral, e quando isso não ocorre, o frênulo lingual pode estar alterado. Pesquisar bebês acima de 30 dias e antes da erupção dos dentes poderá confirmar ou não os resultados desse estudo. Outra pesquisa interessante seria verificar se a posição da língua em repouso dos bebês com alteração de frênulo lingual se modifica após a realização da frenotomia.
CONCLUSÃO
No primeiro mês de vida, a posição da língua dos bebês sem alteração do frênulo lingual tendeu a permanecer elevada no repouso, contrapondo ao que a literatura afirma. Já, nos bebês com alteração do frênulo lingual, a língua tendeu a se manter baixa na cavidade oral durante o repouso.