O leite materno é o alimento mais adequado para todo e qualquer recém-nascido. A amamentação é extremamente importante para a saúde do bebê. Nos seis primeiros meses de vida o leite materno deve ser fonte exclusiva de nutrição e também auxilia no desenvolvimento das funções estomatognáticas (OMS, 2001).
Sanches (2004) refere que para que aconteça a sucção de maneira natural deve haver coordenação dos reflexos orais, assim como o vedamento labial, adequada movimentação e protrusão da língua para obtenção do leite.
As funções de sucção e deglutição dependem de um adequado funcionamento da língua. A língua possui, em sua face inferior, uma pequena prega de membrana mucosa que conecta ao assoalho da boca, sendo dominada frênulo da língua (MARTINELLI, et al, 2012). Esta membrana possibilita ou interfere na livre movimentação da língua. Quando não ocorre a apoptose completa do frênulo lingual, durante o desenvolvimento embrionário, o tecido residual que permanece pode limitar os movimentos da língua, levando à anquiloglossia (MARTINELLI, et al, 2012). Anquiloglossia, portanto é uma anomalia congênita, que pode ocorrer de forma total ou parcial, limitando a mobilidade da língua em graus variados e podendo interferir nas funções orais, entre elas a sucção (MARTINELLI, et al, 2012).
Martinelli et al (2012) elaboraram um protocolo que avalia anatomofuncionalidade de lábios, língua e frênulo lingual e funções orofaciais, tais como, sucção não nutritiva e sucção nutritiva especificamente. O protocolo tem o objetivo de levantar dados sobre normalidade e alteração das funções, correlacionando-as com o frênulo, para possíveis intervenções precoces, minimizando ou eliminando futuras alterações nas funções orofaciais de sucção e deglutição durante amamentação, mastigação e fala (MARTINELLI et al, 2012).
A lei que torna obrigatória a aplicação do protocolo proposto por Martinelli et al (2012) e a realização do “teste da linguinha” em recém-nascidos é a Lei nº13.002/14 (BRASIL; 2014). As justificativas para o “teste da linguinha” ser obrigatório logo após o nascimento seria para evitar problemas na amamentação e posteriormente na fala.
Os bebês que apresentam frênulo lingual alterado são submetidos a um procedimento denominado frenolectomia, pois a justificativa para tal conduta é de que o bebê irá apresentar dificuldades na amamentação e futuramente na fala. Assim o objetivo deste trabalho foi verificar a relação entre o frênulo da língua e o aleitamento materno, em bebês recém-nascidos a termo.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de prevalência. A amostra foi constituída por 144 binômios mãe/bebê, nascidos na região de Irati-PR, assistidos no alojamento conjunto da Santa Casa de Irati, atendidos pelo SUS. Os critérios de inclusão foram bebês saudáveis, nascidos a termo, com apgar maior que 7 no primeiro minuto, que pesasse no mínimo 2,500Kg e que as mães estivessem dispostas a amamentar. Os critérios de exclusão foram: recém-nascidos com síndromes genéticas, distúrbios neurológicos, malformações motoras, orais e congênitas, baixo peso e pré-termo.
A coleta de dados foi realizada em duas fases. A primeira fase foi avaliar o frênulo lingual do bebê e a segunda observar o desempenho da mamada.
Para avaliação do frênulo lingual da criança, foi aplicando o Protocolo de avaliação de frênulo da língua com escores para bebês, proposto por MARTINELLI et al (2012). Para este estudo foi aplicado apenas a avaliação anatomofuncional e do frênulo da língua.
A segunda fase consistiu em avaliar o desempenho da mamada em seio materno, aplicando-se assim o “Protocolo de observação da mamada da UNICEF” protocolo este considerado como padrão ouro para avaliar desempenho da díade mãe/bebê no momento da amamentação. Foi considerada como dificuldade no aleitamento materno a presença de pelo menos um sinal indicativo de dificuldade proposto pelo protocolo da UNICEF, compreendendo que o aleitamento materno acontece na dinâmica entre mãe/bebê e que apenas um sinal indicativo de dificuldade da mãe ou do bebê, já poderá interferir nesta dinâmica.
Os resultados foram analisados estatisticamente com auxilio do Programa “Statistical Package for the Social Sciences” (SPSS), versão 13.0.
Em respeito à resolução 466/2012, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética pelo ofício nº 358.809 COMEP/UNICENTRO .
RESULTADOS
Na avaliação do frênulo lingual, segundo os padrões do “teste da linguinha” dos 144 bebês, 138 apresentaram frênulo lingual normal, sendo constatado 6 bebês com alteração do frênulo. Assim, a prevalência de frênulo lingual alterado para este estudo foi de 4,1%
Na avaliação anatomofuncional e do frênulo da língua demonstrado na tabela 1 e 2, foi realizada com uma amostra de 144 bebês. Pode-se observar que todos os frênulos foram possíveis de serem visualizados e todos eram delgados. Os 6 bebês com o frênulo alterado, a maioria apresentou lábios fechados, língua na linha média, ligeira fenda no ápice, inserção do frênulo entre o terço médio e o ápice e visível a partir da crista alveolar inferior
Na avaliação da mamada dos 138 binômios, cujos bebês não apresentavam alteração do frênulo da língua, foi possível observar a mamada de 134 binômios, onde 41% apresentaram ao menos uma dificuldade durante a alimentação em seio materno, como pode ser observado no quadro 1.
Dos 6 bebês com a alteração do frênulo da língua, foi possível observar a mamada de 5 bebês, onde apenas um apresentou dificuldade durante a alimentação em seio materno, o que equivale a 20%, sendo o comportamento desfavorável de “nenhum sinal de ejeção do leite”.
DISCUSSÃO
Os resultados da presente pesquisa divergem dos resultados encontrados por Martinelli et al (2012). Uma das hipóteses para essa diferença pode ser a dificuldade em avaliar uniformemente o frênulo e suas características. Uma revisão de literatura sobre o assunto analisou 64 artigos, avaliando critérios de diagnóstico e necessidade ou não de tratamento nas diversas idades de diagnóstico. Um dos achados deste estudo foi que a classificação da anquiloglossia não é uniforme. Adultos e crianças com anquiloglossia apresentam limitações dos movimentos da língua, mas que o grau de severidade e problemas na fala ainda apresenta dados subjetivos. São descritas também dificuldades na amamentação em recém-nascidos, mas que ainda não há um estudo bem controlado que estabeleça tal relação. Quanto a forma de tratamento também não há estudos que mostrem qual é a melhor técnica (SUTER, et al., 2009). No entanto em alguns estudos, dificuldades na amamentação aparecem em 25% a 44% das crianças com língua presa (GRIFFITHS et al., 2004; MESNER et al., 2000). Percebe-se desta forma, uma controvérsia bastante grande quando se tenta estabelecer a relação entre frênulo lingual e aleitamento materno.
Essa falta de consenso da classificação do frênulo considerado alterado pode explicar a grande variação na prevalência, 1,9% (BURYK et al., 2011) a 22,54% (MARTINELLI et al., 2012) e nos termos utilizados, tongue-tie, (GRIFFITHS et al., 2004) anquiloglossia (SRINIVASAN et al., 2006) anquiloglossia atípica (GARBIN et al., 2013).
Chama a atenção a alta prevalência de dificuldades na amamentação enfrentadas pelas duplas do presente estudo, no qual os bebês não apresentaram alteração de frênulo da língua. Os achados podem ser justificados pelo modo como a amamentação foi concebida neste estudo, entendendo que o aleitamento materno ultrapassa as fronteiras dos aspectos biológicos e orgânicos da amamentação, extrapolando para a relação da díade mãe-bebê.
CONCLUSÃO
A prevalência de frênulo lingual alterado para este estudo foi de 4,1%, variando significativamente com estudos anteriores. Não há subsídios suficientes para se estabelecer uma relação direta entre alteração no frênulo lingual e aleitamento materno.
Dados de publicao Pgina(s) : p.5494
Tabela 1 – Comparação da avaliação anatomofuncional entre os 138 bebês sem a alteração do frênulo e os 6 bebês com a alteração do frênulo.
Avaliação Anatomofuncional Normal Alterado
n (%) n (%)
Postura de lábios em repouso
Fechados 127 (92 4 (66,7)
Entreabertos 10 (7,2) 2 (33,3)
Abertos 1 (0,7) 0
Tendência do posicionamento
da língua durante o choro
elevada 1 (0,8) 0
na linha média 137 (99,2) 5 (83,3)
na linha média com elevação das laterais 0 0
baixa 0 1 (16,7)
Forma da ponta da língua quando
Elevada durante o choro
Arredondada 138 (100) 0
Ligeira fenda no ápice 0 6 (100)
Formato de coração 0 0
Tabela 2 – Comparação das características do frênulo lingual entre os 138 bebês sem a alteração do frênulo e os 6 bebês com a alteração do frênulo.
Característica do frênulo da língua Normal Alterado
n (%) n (%)
Frênulo lingual
Possível visualizar 137 (99,2) 6 (100)
Não é possível visualizar 0 0
Visualizado com manobra 1 (0,8) 0
Espessura do frênulo
Delgado 138 (100) 6 (100)
Espesso 0 0
Fixação do frênulo na língua
No terço médio 138 (100) 0
Entre o terço médio e o ápice 0 6 (100)
No ápice 0 0
Fixação do frênulo no assoalho da boca
Visível a partir das carúnculas sublinguais 106 (76,8) 1 (16,7)
Visível a partir da crista alveolar inferior 32 (23,2) 5 (83,3)
Quadro 1 – Apresentação dos comportamentos desfavoráveis dos 134 binômios mediante aplicação do protocolo de avaliação da mamada proposto pela UNICEF.
Alteração na postura mãe/bebe
Mãe com ombros tensos e inclinada sobre o bebê
18
Corpo do bebê distante do da mãe
2
O bebê está com pescoço virado
2
O queixo do bebê não toca o peito
1
Só ombros/cabeça apoiados
1
Respostas
Nenhuma resposta ao seio
1
Nenhuma busca observada
2
O bebê não está interessado no peito
1
Bebê irrequieto ou chorando
5
Bebê não mantém pega da aréola
9
Nenhum sinal de ejeção do leite
1
Estabelecimento de laços afetivos
Mãe segura o bebê nervosamente, sacudindo-o tremendo ou fracamente
3
Nenhum contato ocular mãe/filho
0
Mãe e bebê quase não se tocam
0
Anatomia
Mamas ingurgitadas e duras
0
Mamilos planos ou invertidos
6
Tecido mamário com escoriações, fissuras, vermelhidão
14
Mamas esticadas ou caídas
0
Sucção
Boca quase fechada fazendo um bico para frente
12
Lábio inferior voltado para dentro
9
Não se vê a língua do bebê
2
Bochechas tensas ou encovadas
1
Sucções rápidas com estalidos
1
Pode-se ouvir barulhos altos, mas não a deglutição